UMA VIAGEM SEM PROGRAMAÇÃO, POR UM JUSTO MOTIVO

A programação era ir e voltar ao Rio no mesmo dia, saindo do Aeroporto do Galeão às 19 horas de quarta. Por segurança, fui na terça, sozinho. Mirian ficou para preparar a casa para as visitas que eu fui buscar.
A convite de Tio Mário Campos, fui para Teresópolis, para de lá ir para o Rio, na quarta. 
Sem pressa de lá chegar, deu para entrar em Além Paraíba, onde morei entre 1960 e 1964.
A cidade ainda é cortada pela linha férrea, ativa, embora o fluxo de trens seja baixo por lá.
Estação de Além Paraíba. Há uma curiosidade: Quando morei lá, chamavam a cidade de Porto Novo do Cunha. A gente vai ver essa outra estação lá embaixo.
Essas cenas são chocantes. Uma histórica e efervescente oficina ferroviária no passado  se encontra em absoluto estado de abandono.
Aqui era feita a manutenção das vaporosas ou marias fumaça, as locomotivas a vapor e mesmo as diesel, quando a Estrada de Ferro Leopoldina passou a adotá-las.
Muita história entre essas paredes. A cidade tinha a base de sua economia na ferrovia - a sua principal empregadora. A classe ferroviária era forte e muito mobilizada. No golpe de 64 isso custou caro para muitos. O sindicato sofreu interdição e muitos empregados foram presos. Com 11 anos, pela primeira vez vi meu pai chorando, quando isso aconteceu. Amigos e ovelhas da Igreja Metodista, que ele pastoreava, foram afetados.
Esse vagão ficou para trás, como que testemunha disso. É bom lembrar que tudo isso é patrimônio público, como todo o leito a edificações, que não foram transferidos para a iniciativa privada.

O saudoso cunhado Professor Víctor Ferreira lutou muito para ver isso tudo recuperado. A cidade de Além Paraíba e Volta Grande eram duas de suas paixões.
Vamos andando e matando mais saudades. Estamos na Vila Laroca.
Por aqui gastávamos os trocadinhos conseguidos com a venda de ferro velho, papel, picolé...

Eu e o irmão Clésio tivemos de sair do ramo de papel e papelões. Um dia decidimos colocar um pedaço de pedra para pesar mais, e fizemos isso inadvertidamente colocando-a no fundo. Quando o saco foi colocado na balança de ferro, o barulho condenou. Foi sair correndo e largar saco e papel pra trás. Encerramos o negócio já que esse era o único comprador na cidade.
Muito legal quando se pode manter a memória viva. Esses prédios mantém as fachadas da época.
A nossa casa era aqui, com entrada pela lateral do templo.
Nada mudou na fachada.
Já não é mais casa pastoral. A sala virou secretaria da igreja.
E meu quarto, com  mais um monte de irmãos, virou classe de crianças, de Escola Dominical.
O  quintal nada tem a ver com o que tínhamos. Com muitos filhos e subsídio pastoral baixo, a nossa família deveria cultivar hortaliças para ajudar no orçamento doméstico, além de frangos e ovos, frutas ...,  para o próprio consumo e venda para a vizinhança. Meus pais, com o trabalho dos filhos, faziam isso. Era nossa rotina sair cedo com um varal de verduras para a venda. 
Tudo aqui era muito bem mantido e não havia um palmo sequer sem cultivo.

Debaixo dessa escada ficava o galinheiro. Logo que vim para Belisário, há 5 anos atrás, estive ai, e peguei um abiu maduro, de recordação, já que esse pé era de nossa época. Plantei a semente e o pé já está bem grande aqui em meu quintal. É quase que uma forma de trazer de volta a infância.
Nesse beco as farras da molecada aconteciam. Mais uma experiência marcante de vida. A matéria vai ficar grande, mas vale a pena citar. Um tarde de domingo a molecada gritava debaixo de uma dessas janelas, mais lá no alto, quando a dona da casa surgiu, gritando com todos, com referência para nós, "filhos do pastor". " A mãe de vocês não educa. Só saber fazer filho.... " e foi só baixando o nível. Corremos para casa pra contar pra ela, para ela reagir à altura.
Minha mãe nada falou. Foi para a cozinha, fez um bolo e colocou no forno. Depois de pronto, mandou que fôssemos levar para aquela senhora, com o pedido de desculpas.
Até hoje me lembro do abraço com choro convulsivo daquela mulher em minha mãe, à noite, antes do culto, pedindo-lhe desculpas pelas agressões verbais destemperadas.
Os irmãos católicos me ajudem, por favor: como faço para entrar com o processo de canonização de D. Cléa Paradela?

Tentei visitar o meu grupo escolar, onde fiz todo o primário. Como o interfone não funcionou, ninguém veio abrir.
Escola Municipal Prof. La-Fayette Côrtes. Que pena! Queria muito dar um giro por lá. A primeira escola a gente nunca esquece.
Essa ladeira era o caminho da escola. Na época era revestida de "pé-de-moleque", própria para descida sobre tábuas. Era comum os dedos da mão serem esfolados, braços e pernas...
Agora uma passada na Estação Porto Novo. 
Mais cenas tristes...
Edificações maravilhosas pertencentes ao patrimônio histórico,   caindo ou escoradas, como que esperando recursos para o restauro.
Por essa porta o embarque e desembarque na estação. Muitas histórias.
Para os ferroviários que acompanham o blog, um close onde se vê dormente de madeira e metálico. Fixação com parafuso (tirefond) e prego.  Uma miscelânea.
Aproveitei para catar um de cada. Não se vê uma viva alma por aqui, até para pedir isso.
Fachada da Estação  Porto Novo.
Beleza! Podemos partir. 
Sem a patroa para fotografar, uma redução de velocidade sobre a ponte, para pegar o Rio Paraíba do Sul, local de muitas pescas e banhos na infância. Logo os motoristas de trás buzinam. 
O destino era Teresópolis. Apenas 90 km.
E já estamos lá. Olha a Serra dos Órgãos ao fundo!
Amanhã a gente fala mais.

Comentários

  1. Eh Cleber, que saudadeeeee!.
    Obrigado por estas recordações, e gostaria de passar para você que o nome do comprador de ferro era senhor Paulo, ali na Vila Laroca, e o meu avô Belmiro e a vó Maricota, moraram naquele beco em frente à igreja (eu creio que naquela mesma época).
    A estação de Porto Novo só está escorada daquela forma, por determinação da Justiça Federal junto á Caixa Econômica Federal.
    O terreno onde funcionou as oficinas da Leopoldina, acredite se quiser, pertence a Igreja Católica,
    Quero lembrá-lo que o seu quarto não deixou de abrigar crianças.
    Abraços meu irmão,
    Lindolfo- Juiz de Fora

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  2. Nossa, que viagem ao passado esta, Cleber! Esta casa me trás muita emoção. No final de 2013 estive nela e me acabei de tanto chorar (estava muito fragilizada pelo recente falecimento do nosso querido Victor).
    Foram anos inesquecíveis o que nossa Família viveu nessa querida cidade.
    Que dor ver a destruição da Oficina, da estação e o abandono daquele quintal antes tão cheio de vida, alimento e beleza!
    Bom é viver intensamente cada momento, como vivemos nesta cidade, nesta casa. Tudo passou, mas a gente sabe que foi muito bom e tudo o que ficou valeu a pena.
    Célia Paradela

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